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Desbravando Nós: Coisas que eu aprendi com a Chapeuzinho Amarelo

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Era uma vez uma menina conhecida como Chapeuzinho Amarelo. Ela foi dita e escrita por Chico Buarque, desenhada e colorida por Ziraldo; refeita dentro de mim.

Era uma vez a Chapeuzinho Amarelo que, de tanto medo que tinha, era amarelada. O medo era tanto que ela não ria, não tossia, não subia escada (nem descia!), não brincava de nada (nem de amarelinha!). Era a Chapeuzinho Amarelo... Feita, desfeita e refeita em mil contações, sob o olhar de tantas crianças, escondida, mas surpreendentemente viva, no tom da minha voz.

A Chapeuzinho que, sendo de tanto outros, se fez minha em algumas lições, que podem ser mil; que podem ser muitas, que podem ser até esquecidas... Porém, hoje, são minhas. E, agora, suas também. Portanto, atenção! Porque era uma vez a Chapeuzinho Amarelo...

“Amarelada de medo.
Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho”.

Tanto medo tinha, que deixou escorrer pelos medos, ou pelos dedos, as coisas mais simples de sua existência: a risada e até o cof-cof do resfriado. Parou de sentar na roda e de ouvir contos de fada; vai ver, a Chapeuzinho achava que nem havia motivo para a magia das histórias dos outros; vai ver, por isso, ela nem mais brincava.

A tal da Chapeuzinho tinha tanto medo que distorcia tudo, até cobra via em lugar de minhoca. Talvez, pelas ruas do Centro, ela tivesse medo de todos os meninos pretos e pobres; vai ver ela nunca tenha pensado que eles também já tenham sentido medo. Ela tinha medo de se sujar, por isso, nem de casa saía. Será que Chapeuzinho teria tanto medo se, um dia, conhecesse pessoas que, mesmo sem medo, nunca puderam escolher entre sujar ou não suas esperanças?

O fato era que a Chapeuzinho, coitada
“vivia parada,
deitada, mas sem dormir,
com medo de pesadelo”.

Contudo, de todos os medos que ela tinha, seu medo, mais que medonho, era o medo do lobo.

“Um LOBO que nunca se via,
que morava lá longe,
do outro lado da montanha,
num buraco na Alemanha
cheio de teia de aranha,
numa terra tão estranha,
que vai ver que o tal LOBO
nem existia”.

Chapeuzinho tinha tanto medo do lobo, que tinha medo do medo do medo. E...

“de tanto pensar no LOBO,
De tanto sonhar com LOBO,
De tanto esperar o LOBO,
um dia topou com ele”

Ou, talvez, tenha simplesmente o criado. Criar lobos, ou topar com eles, não é tão mágico assim, você precisar concordar. Estranho mesmo foi o que veio depois:

“assim que encontrou o LOBO,
A Chapeuzinho Amarelo
foi perdendo aquele medo,
o medo do medo do medo
de um dia encontrar um LOBO”

O constrangimento da história acabou sendo do lobo, afinal, o lobo é feito de medo. Do seu medo. Aliás, “o lobo ficou chateado” e tentou ganhar no grito. Jura? Juro. Acontece que ele gritou tantas vezes seu nome de LOBO que a Chapeuzinho ficou embolada, meio engasgada.

LO BOLO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO

Lobo ou bolo? A dúvida também pode ser uma boa lição.

Entre o lobo e bolo, a Chapeuzinho escolheu reinventar suas histórias e transformar seus monstros:

“Mesmo quando
está sozinha,
inventa
uma brincadeira.
E transforma
Em companheiro
cada medo que ela tinha:
o raio virou orrái,
barata é tabará,
a bruxa virou xabru
e o diabo é bodiá.

FIM.

Fim? Que nada. A Chapeuzinho desamarelou e se desconstruiu. Afinal, se todos nós somos feitos de histórias, dá para reescrever o que o medo cega; dá para começar a sonhar; dá para permitir o sonho dos outros.

Era uma vez a Chapeuzinho Amarelo. Anotou? Hoje ela foi, mais uma vez, reescrita dentro de mim.  

Livro citado:

BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo. 38ª Ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 2015.

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