Vivemos num tempo em que o poder da palavra é cada vez mais um instrumento de manipulação das consciências e das vontades dos cidadãos. Até onde nos levará esta espécie de terrorismo verbal?
Maria Antónia Lima cria neste livro um universo ficcional que nos coloca perante as consequências do poder destrutivo de um terror verbal.
Quem somos nós, verdadeiramente, quem são aqueles com quem nos cruzamos ou convivemos no dia-a-dia? Estaremos irremediavelmente mergulhados e rendidos ao poder manipulativo da linguagem? Estaremos interiormente invadidos por esse poder que nos destrói e destrói os outros?
"Palavras Assombradas"é uma ficção que nos interpela de uma forma radical: a que experiências terríveis nos poderão levar certos corredores obscuros de frases perigosas?
Resenha:
Após a divulgação de uma pesquisa científica que revelou que haviam sido descobertos os genes que causam o medo, uma pessoa resolve que usaria tal conhecimento para seus próprios interesses. Ao invés de tentar tratar as fobias, ele descobriria suas causas e origens e usaria tal conhecimento com arma. Presunçoso? Realmente, mas deu certo.
O arquiteto deste ambicioso plano divulga um anúncio, procurando especialistas para que fossem treinados para propagar o medo. O desejo era começar com poucas pessoas, mas depois ampliar. Quem sabe, causar uma pandemia do horror. A arma para tal feito? Apenas palavras.
“Temos medo de agir. Vingamo-nos nas palavras. Mais tarde elas vingam-se de nós” (p. 11).
Palavras ferem; palavras machucam; palavras desestabilizam pensamentos e emoções. Acima de tudo, palavras podem matar e quebrar um mundo em pedaços. Municiados de verbos assombrados, os especialistas sairiam pelo mundo causando o terror.
Somos levados a conhecer vítimas e os assassinos. Aliás, aquele que fere uma pessoa com palavras pode ser considerado assassino? E se, após uma briga acalorada, um dos interlocutores morrer, o outro será o culpado de tal morte? Até que ponto nós podemos considerar alguém culpado por apenas causar medo e temor?
“Como um autor que, no início de uma história, sabe já como esta acabará. Unidade de efeito, como o velho Poe lhe chamava. Eu controlo todo o enredo. Só a mim permito o golpe final” (p. 23).
Maria Antónia Lima cria um livro sem precedente e diferente de tudo que você já se viu. Com uma mistura de um romance policial e trama psicológica, ela cria uma obra densa, bem amarrada e de uma criatividade inimaginável.
A narração é feita em primeira pessoa, o que nos permite conhecer os múltiplos narradores profundamente. Conseguimos dissecar seus hábitos, manias, esquisitices e seus sadismos. Além disso, todos os personagens são extremamente bem construídos, propiciando uma leitura repleta de significados.
“Provocar uma epidemia de doenças mentais de consequências devastadores é o meu grande sonho. O meu grande projecto para o futuro” (p. 75).
A leitura é densa demais e tem um ritmo devagar. Quem não está acostumado com esse tipo de leitura, pode se assustar no princípio. Mas eu afirmo: vale a pena desbravar essa obra. Outro aspecto que pode assustar é quantidade de personagens narrando à obra e uma história não linear. Mas, eu também afirmo: tal escolha foi essencial para que o objetivo do livro fosse alcançado.
A diagramação do livro é simples visualmente falando, mas muito confortável. A letra é de um tamanho ótimo, o espaçamento é grande e as folhas são amareladas, não cansando a vista. A capa é muito bonita, porém, não há orelhas.
“Agrada-me ter em meu poder o destino da humanidade. O meu é criar reféns do tempo. Encarcerar seres nas suas próprias memórias. Mantê-los cativos de suas circunstâncias. Só assim terão consciência da mortalidade” (p. 68).
Sem dúvidas, o livro é indicadíssimo para quem gosta de leituras densas e reflexivas, que vão mexer com a alma e com o raciocínio. Para quem quiser conhecer mais sobre o terror psicológico, essa também é uma excelente dica. Para quem não está acostumado com o estilo da obra, nunca é tarde para começar, né? Mas leia a obra com calma, ela deve ser mastigada lentamente para que todo o seu significado possa ser tragado.
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Autor: Maria Antónia Lima
Coleção: Revólver
Páginas: 243
Data de publicação: Outubro de 2011
ISBN:978-989-6972-39-4
Editora:Chiado
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