Título: A Varanda do Frangipani
Autor: Mia Couto
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9788535927542
Ano: 2016
Páginas: 152
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Sinopse:
Depois da Independência de Portugal, em 1975, Moçambique enfrentou quase duas décadas de conflitos. O período foi marcado pela oposição entre os antigos guerrilheiros anticolonialistas da Frelimo (que tomaram o poder e tentaram implantar o socialismo no país) e o grupo de orientação conservadora Renamo (alinhado a Rodésia e África do Sul). A história de A varanda do frangipani se passa vinte anos após a Independência, depois dos acordos de paz de 1992. O romance é narrado pelo carpinteiro Ermelindo Mucanga, que morreu às vésperas da Independência, quando trabalhava nas obras de restauro da Fortaleza de S. Nicolau, onde funciona um asilo para velhos. Ele é um 'xipoco', um fantasma que vive numa cova sob a árvore de frangipani na varanda da fortaleza colonial. As autoridades do país querem transformar Mucanga em herói nacional, mas ele pretende, ao contrário, morrer definitivamente. Para tanto, precisa 'remorrer'. Então, seguindo conselho de seu pangolim (uma espécie de tamanduá africano), encarna no inspetor de polícia Izidine Naíta, que está a caminho da Fortaleza para investigar a morte do diretor. Mais de vinte anos depois da independência de Moçambique, quando a guerra civil já arrefeceu, a Fortaleza é um lugar em que convergem heranças, memórias e contradições de um país novo e ao mesmo tempo profundamente ligado às tradições e aos mitos ancestrais. Da sua varanda se pode enxergar o horizonte. O romance de Mia Couto esboça, assim, uma saída utópica para um país em reconstrução.
Resenha:
Quando ganhei A Varanda do Frangipani de presente da Susan, minha namorada, tive certeza que teria uma ótima experiência literária e comecei a lê-lo quase que imediatamente. O motivo é simples: Mia Couto é um autor que consegue tocar nos cantos mais profundos da alma humana. Ao terminar a leitura, tive novamente a certeza de que a obra era genial. O motivo? Conto-lhe abaixo.
Ermelindo está morto. Ele morreu um pouco antes da independência do Moçambique. Porém, como ele não foi enterrado como deveria, tornou-se um “xipoco”, um tipo de espírito que não seguiu seu caminho natural após a morte. Ele vive sob a árvore de Frangipani em S. Nicolau, onde funciona um asilo. Um lugar tranquilo para descansar em paz.
Contudo, devido às comemorações da independência e do desejo de autoafirmação do país, Ermelindo está preste a virar um herói nacional. Ele, já morto, não fica nada feliz com isso, pois apenas quer descansar sob a árvore de Frangipani, sem qualquer perturbação. Para fugir, então, de ser incomodado uma vez ao ano, ele resolve que quer morrer novamente, dessa vez direito, para que seu espírito possa seguir seu caminho.
“Não fui homem de ideias mas também não sou morto de enrolar língua. Eu tinha que desfazer aquele engano. Caso senão eu nunca mais teria sossego. Se faleci foi para ficar sombra sozinha. Não era para festas, arrombas e tambores. Além disso, um herói é como o santo. Ninguém lhe ama de verdade. Se lembram dele em urgências pessoais e aflições nacionais. Não fui amado enquanto vivo. Dispensava, agora, essa intrujice” (p. 12).
Para morrer uma segunda vez, Ermelindo encarna no inspetor de polícia Izidane Naíta, que chegou ao asilo para investigar o assassinato d o responsável pela instituição. Assim, incorporado no policial, conhecemos tudo sobre o crime ocorrido e também acompanhamos Ermelindo na sua ânsia de morrer corretamente.
Partindo dessa premissa, Mia Couto escreve mais um grandioso livro. Nessa obra, as memórias são as grandes protagonistas: as memórias da pátria, da cultura, do povo. Através de personagens que buscam o seu caminho e seu lugar no mundo, Couto nos apresenta a cultura Moçambicana, dá-nos uma aula de história e apresenta-nos toda a riqueza que esta terra africana guarda.
Disfarçado de romance, com toque de humor e fantasia, e de suspense policial, Mia Couto mostra novamente todo o seu potencial com a escrita. O seu narrar é leve, poético, coloquial, fazendo-nos mergulhar num folclore de uma maneira singular. As muitas metáforas que seu texto geram reflexão não somente sobre a dominação e colonização africana, mas também sobre o presente, sobre a nossa realidade. Se para um bom escritor meia poesia basta, para Couto apenas algumas palavras já podem se tornar um Parnaso inteiro.
“O silêncio é que fabrica as janelas por onde o mundo se transparenta” (p. 26).
Além do vasto conteúdo cultural e histórico, o livro também chama a atenção pelos personagens profundos e psicologicamente complexos. As testemunhas e suspeitos do crime cometido são os idosos residentes no asilo. Então, cada depoimento se torna uma metáfora viva, inclusive com confissões de culpa. A história de capa indivíduo se funde de tal maneira com a história da sociedade que fica impossível dizer onde termina um e começa o outro. Assim, os próprios personagens se tornam poéticos e complexos, alimentando a alma do leitor com uma enxurrada de sentimentalismo e saudosismo.
Couto também sabe utilizar muito bem os elementos “mágicos” do enredo, não se prendendo apenas no “xipoco”. Como todo o enredo possui um forte aspecto mitológico, muito do que acontece do livro é explicado, através dos idosos, pela cultura da região, tornando muito mais vívida a experiência leitora. Isso faz com que a obra se torne mais do que uma homenagem a uma pátria que está prestes a ser assassinada, mas uma manifestação viva desta que está para ser esquecida.
A boa experiência do leitor, que começa com o bom enredo, persiste também na parte física do livro. Essa nova edição providenciada pela Companhia das Letras está simplesmente maravilhosa. As cores da capa são expressivas e marcantes, combinando diretamente com o enredo. Ademais, a obra conta com diagramação confortável e uma revisão perfeita, proporcionando uma excelente leitura.
“Entre mil bichos, só o homem é um escutador de silêncios” (p. 28).
Em suma, A Varanda do Frangipanié mais do que uma obra com um fundo histórico, é poesia, cultura e mitologia em prosa, é uma manifestação artística que valoriza aquilo que, muitas vezes, a estrutura social moderna, principalmente a capitalista, ignora. Este livro é um chamado ao passado, uma chamada às origens, um encontro com o tempo onde os velhos eram ouvidos, as crenças eram respeitadas e os sentimentos eram mais do que emoticons em uma rede social. Esse livro é aquele que, após a leitura, você guarda na estante, mas também no coração.