Tenho andado cansada. Esse mundo, embriagado em preconceitos e constituído de opressões, por vezes, me cansa. Então, em um desses momentos em que as forças se perdem, o corpo não reage e não luta, Adriana Carranca me apresentou, de forma doce e forte, à Malala, a menina que queria ir para a escola. A menina que fez em mim renascer as lágrimas da esperança.
Adriana Carranca é jornalista. E, por definição, jornalistas são aquelas pessoas que, como as crianças, adoram fazer o que é proibido: ir aonde ninguém foi e voltar contando histórias de uma maneira como ninguém antes pôde contar. Por isso, ela foi até o vale do Swat: para pisar no mesmo chão de Malala, sentar-se debaixo da mesma árvore. Para compreender o pavor e as marcas da guerra que uma pequena menina não teve medo de enfrentar. Na volta, contou essa história de maneira simples, cuidadosa e, com a ajuda de Bruna Assis Brasil, cheia de cores: para inspirar crianças e adultos. Principalmente, meninas.
Malala, filha de professor, cresceu entre cadeiras e corredores da escola. Aprendeu a amar os livros, tendo, em casa, uma criação sem distinção de gênero, apesar da cultura apontar para caminho oposto. As pessoas viam em Malala alguém especial e ela é. Especial, porque aprendeu que sua voz merecia ser ouvida: fez-se ouvir. Malala e suas amigas criaram a Assembleia de Direitos das Crianças, “em que se reuniam para discutir os problemas do vale do Swat e encaminhar pedidos e ideias de soluções para o governo” (p.32-33). O grupo de meninas, que queria o fim do trabalho infantil e o direito de todas as crianças estarem na escola, encontrou em Malala força e determinação. Juntas, sonharam com o que parecia impossível.
Porém, um dia, vieram as bombas. E, com elas, os homens que não queriam as meninas na escola. Malala, que não gostava de esconder o rosto ou usar burca, encontrou resistência e abrigo nessas peças: o véu que enxugava seu pranto, também ajudava a esconder os livros que levava à escola, que ela teimava em não largar. Os talibãs, no entanto, baniram as mulheres da vida social. E as meninas foram definitivamente banidas da escola.
“Minha força não está na espada. Está na caneta – ela disse um dia” (p. 45). Malala sabia que poderiam impedi-la de ir à escola, mas que suas palavras e seu conhecimento eram os verdadeiros instrumentos para a construção de um mundo diferente daquele que ela conhecia. E foi com a força de suas palavras que Malala ganhou o mundo, fazendo-o olhar para o seu querido vale e para a situação das meninas. E se ela tinha medo de ser descoberta? Sim. “Mas Malala era uma menina muito corajosa, porque ter coragem não quer dizer não ter medo, mas enfrentar os medos que a gente tem”.
E ela enfrentou. Refugiou-se em seu anonimato. Escondeu seu nome, que foi escolhido em homenagem à uma poetisa e guerreira do seu povo. Porém, a pequena menina de véu cor de rosa não deixou que calassem sua voz. Um dia, quando o exército do Paquistão conseguiu expulsar os talibãs, o pai de Malala revelou que ela era a blogueira do Vale. A menina que o Talibã não conseguiu silenciar.
“A menina de jeito doce, mas fala assertiva, desafiava frequentemente os homens que tinham proibido as meninas de ir à escola, às vezes, expondo-os ao ridículo. Num território onde as mulheres tinham sido silenciadas pelo terror, Malala havia cruzado um limite perigoso” (p.55). Ela era uma menina indo longe... Longe demais, segundo seus algozes.
Então, um dia, quando Malala voltava da escola, aqueles homens tentaram, com tiros feitos de ódio, acabar com seu sonho, silenciar seu grito pela educação das meninas. Aqueles homens acreditaram estar mostrando sua força, mas enganaram-se: eles mostraram ao mundo a força das meninas que queriam estudar. Malala foi ferida na cabeça e mais duas de suas amigas foram atingidas pelos tiros. Aquele que parecia o fim de uma luta foi o começo de uma grande história.
Malala foi ouvida pelo mundo e o seu clamor pelo direito de estudar ecoou por todos os cantos, rompendo barreiras. Malala me fez lembrar que é possível. Que não importam as forças que buscam obscurecer nosso caminho: as meninas podem, as mulheres podem. O corpo ganhou novamente força, a alma estava, mais uma vez, revigorada. A literatura promove milagres. A força de uma menina que queria estudar coloca-me, novamente, de pé. Juntas e na luta, pelo direito de todas, resistimos.
Referência:
CARRANCA, Adriana. Malala, a menina que queria ir para a escola. Ilustrado por Bruna Assis Brasil. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2015.
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