Título: Resistência
Autora: Affinity Konar
Editora: Fábrica 231
ISBN: 9788595170049
Ano: 2017
Páginas: 320
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Sinopse:
“Resistência” narra a trajetória de duas irmãs gêmeas lutando pela sobrevivência na Segunda Guerra Mundial. Pearl e Stasha chegam a Auschwitz em 1944 e ainda vivem sob o encantamento da infância – têm uma conexão muito forte, se entendem, se confortam e brincam juntas. Como parte de um experimento chamado Zoológico de Mengele, as irmãs conhecem o horror e têm suas identidades fraturadas pela dor e pelo sofrimento. No inverno, Pearl desaparece; Stasha chora pela irmã, mas mantém a esperança de encontrá-la viva. Ao final do conflito, Stasha se depara com um mundo em ruínas, uma Polônia devastada pela guerra, e tenta reconstruir sua vida a partir dali. Romance narrado com uma voz poderosa e única, Resistência desafia qualquer expectativa ao atravessar um dos períodos mais devastadores da história contemporânea e mostrar que há beleza e esperança até diante do caos e ganhou elogios da crítica e de autores como Anthony Doerr, de Toda luz que não podemos ver.
Resenha:
Não sei nem por onde começar a falar deste livro, uma história tão dolorosamente marcante que leria muitas vezes, não por ser triste e tratar apenas sobre o Holocausto, mas por ver a resistência das pessoas que sobreviveram e das que, infelizmente, não conseguiram escapar. Prepara-se, pois a seguir terá fortes emoções.
Stasha e Pearl, junto com sua família, estão fugindo das perseguições nazistas, embarcando em veículos ilegais e sendo ajudados por grupos de resistências, entretanto, em uma de suas fugas, as gêmeas acabam sendo levadas por um médico que se autodenomina “Tio Médico” e promete que salvará a vida de sua família e que teriam uma vida melhor se fossem com ele. Inevitavelmente, tudo não passou de ilusão e as garotas acabam em um campo de concentração de Auschwitz.
O horror logo se instala quando as garotas percebem que todos os outros prisioneiros são crianças gêmeas, trigêmeas e assim por diante; quaisquer irmãos ou irmãs que fossem parecidos eram alvo das macabras experiências de Joseph Mengele, também chamado de Anjo da Morte.
Alternando entre as duas irmãs, Stasha fica encarregada de narrar o presente e futuro, o divertimento e o mau, já Pearl fica com o passado, tristeza e o bom. A narrativa de ambas mostra o fardo, medo, terror, a perda da ingenuidade, infância, a felicidade e tantos outros sentimentos, sensações e emoções que o ser humano têm, sendo retiradas de suas vidas de uma forma lenta e cruel.
Ler sobre os experimentos que as crianças eram submetidas era doloroso e ficava sentindo-me impotente; ademais, ler os relatos na visão de uma criança era mil vez pior e absurdamente triste. Como era possível existir pessoas que transformavam crianças, cri-an-ças, em cobaias e/ou matavam-nas por causa de sua cor de pele, uma deformidade, ser contrária à opinião dos alemães e principalmente por ser judeu ou cigano? Qualquer um que não fosse descendente de ariano deveria sofrer.
“Nem sempre nos conhecemos, ou sabemos em que vamos nos transformar, o que podemos fazer, depois que o mal fez o que quis conosco” (p. 284).
Stasha e Pearl são gêmeas idênticas e com uma conexão muito forte: conseguem sentir a dor uma da outra, ler os pensamentos de cada uma, de falar em uníssono e tantas outras formas que só elas eram capazes de explicar. Tudo era feito em conjunto, em dupla, mas, à medida que passavam nas mãos do terrível Mengele essa conexão enfraquecia e seus destinos mudavam.
“– Um dia – disse para o meu o meu amigo –, matar não será mais necessário. Porque isso acabará.– O mundo? – Paciente franziu o cenho.– Não, a guerra – eu disse – A guerra vai acabar” (p. 89).
Quando Pearl desaparece, Stasha mantém a esperança e perseverança de que sua irmã vai voltar e que não foi abandonada em uma vala ou tirada de sua vida de propósito. O Tio Médico garantiu que ela encontraria sua irmã outra vez e sendo uma menina obediente faria tudo que o Doutor mandasse.
A linguagem utilizada ameniza um pouco o cenário de puro sofrimento, mas não deixa de mostrar a miséria, tortura, maldade e o desamparo dos personagens, muitos perdiam seus irmãos para as doenças ou para as experiências de Mengele. A violência não é velada, entretanto, não é tão intensa se fosse contada por um adulto. Entretanto, é triste ler o que as crianças passavam, o desespero em tentar sobreviver não apenas das experiências, mas também das insalubridades que eram impostas.
“Ele era frio e vazio e não era capaz de formar elos com ninguém, nem com sua família, nem mulher, nem filhos. Tudo que havia nele era ambição e esse homem vazio, como tantos homens vazios, estava determinado afazer história” (p. 229).
A selvageria de Mengele em praticar atos tão desumanos era desmedida, as crianças eram cobaias ou simplesmente alvejadas e mortas como alguns adultos, grávidas tinham os órgãos removidos, anões eram dissecados ou mortos por outros tipos de morte que abstenho-me de comentar. Só saiba que é horrível de ler e imaginar, fiquei com o coração apertado por sentir um pouco o sofrimento e dor dessas pessoas.
“Em Auschwitz, não é preciso ter nascido para sofrer tortura” (p. 278), o Anjo da Morte inventava sempre um novo assassinato; fiquei incrédula e horrorizada com as atrocidades cometidas pelo Mengele e mais ruim é vê-lo acreditar que está fazendo um “bem” e que é tudo em nome da ciência. Claramente uma pessoa sádica e doente que não tinha escrúpulos e não merecia viver para fazer tanto mal.
“[...] a hora do sobrevivente é diferente de qualquer outra, cada minuto corresponde a uma história que não será modificada e nem restaurada, nem tornada suportável” (p. 277).
A resistência das crianças em tentar sobreviver e proteger seu(s) único(s) parente(s) é notável, as condições precárias em que viviam eram desumanas e árduas. Percebiam, de uma forma injusta e brutal, que eram impostas aquelas torturas apenas por terem nascidos gêmeos e conheciam o racismo e preconceito de um jeito hediondo.
“Meu perdão era uma repetição constante, o reconhecimento do fato de que eu ainda estava viva. Era prova de que as experiências deles, seus números, suas amostras não tinham servido para nada – eu resisti, como um tributo ao erro de avaliação deles, do quanto uma menina é capaz de suportar. No meu perdão, o fracasso deles me matar ficava patente” (p. 262).
Ao finalizar a história, meu coração apertou-se e as lágrimas fluíram sem controle por sentir o peso e dor das pessoas que passaram por isso; acho que não houve um período na História tão desumano quanto o Holocausto. As lágrimas que derramei foram poucas para demonstrar o quanto sinto e admiro dessas pessoas, principalmente as que sobreviveram das garras de Mengele e tantos outros iguais a ele; essas pessoas não apenas sobreviventes, são heróis, inspirações e a prova viva da esperança e não há palavras que possam expressar o que foi ler essa história tão comovente.
Resistência é uma leitura tocante, delicada e perturbadoramente bela sobre o Holocausto e suas marcas que poucos conhecem.
O livro é inspirado na história real das irmãs Eva e Miriam Mozes, que sobreviveram a Auschwitz. Infelizmente, Mengele também sobreviveu e fugiu por décadas, chegando a morar no Brasil, mais precisamente São Paulo, e só morreu em 1979, aos 67 anos, afogado na praia.
A Fábrica 231 não deixou a desejar, a capa é mais bonita do que a original e representa bem a essência do livro. A tradução da Alyda Sauer está excelente, a revisão ótima e a diagramação confortável e leve. Mas, infelizmente, meu exemplar veio amassado devido ao belo serviço prestado pelos Correios.
De toda forma, essa é uma obra indispensável na estante de qualquer leitor.