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Resenha: Mulheres de Cinzas

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Título: Mulheres de Cinza
Autor:Mia Couto
ISBN: 9788535926620
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2015
Páginas: 344
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Sinopse:

Primeiro livro da trilogia As areias do Imperador, Mulheres de cinzas é um romance histórico sobre a época em que o sul de Moçambique era governado por Ngungunyane, o último grande líder do Estado de Gaza. Em fins do século XIX, o sargento português Germano de Melo foi enviado ao vilarejo de Nkokolani para participar da batalha contra o imperador que ameaçava o domínio colonial. Lá, ele encontra Imani, uma garota local de quinze anos que lhe servirá de intérprete. Enquanto um dos irmãos da menina lutava pela coroa de Portugal, o outro se uniu aos guerreiros tribais. Aos poucos, Germano e Imani se envolvem, apesar de todas as diferenças entre seus mundos. Porém, num país assombrado pela guerra dos homens, a única saída para uma mulher é passar desapercebida, como se fosse feita de sombras ou de cinzas.

Resenha:

Existem livros que marcam uma época, uma fase da sua vida. Há outros, porém, que você carrega para uma vida toda. Esses, geralmente, são feitos de algo mais profundo, mais denso, mais tocante. Algo que mexe contigo e te muda; arrebata-te. Esses livros são raros, é verdade. Porém, esse ano eu tive uma dessas imensas felicidades: encontrei o livro Mulheres de Cinzas. Esse, sem dúvidas, faz parte desse grupo tão especial.

Tudo começa quando os portugueses invadem Moçambique e começam a reclamar cada território como “Terras da Coroa”. Contudo, a dominação não seria fácil. Por lá já havia um imperador e ele era Ngungunyane, grande líder do chamado Estado de Gaza. A partir daí surge um confronto de interesses, um confronto por poder e terra que fará o solo verter sangue.


No meio dos territórios em disputa, há o vilarejo chamado Nkokolani. Neste local, morava Imani. Ela não era uma garota como as outras. Em primeiro lugar, era a filha do líder local. Segundo, fora educada por padres, tendo um português correto e uma escrita impecável. Por último, era uma mulher com alma diferente. Aos quinze anos, já era independente, forte, com uma personalidade marcante e com uma inteligência superior a de praticamente todos.
“Os imperadores têm fome de terra e os seus soldados são bocas devorando nações. Aquela bota quebrou o Sol em mil estilhaços. E o dia ficou escuro. Os restantes dias também. Os sete sóis morriam debaixo das botas dos militares. A nossa terra estava a ser abocanhada. Sem estrelas para alimentar os nossos sonhos, nós aprendíamos a ser pobres. E nos perdíamos da eternidade. Sabendo que a eternidade é apenas o outro nome da Vida” (p. 15).
Nesse mesmo vilarejo chega o Sargento Germano. Ele ganha a simpatia de muitos por, a princípio, não ter a atitude de outros portugueses. Primeiro, ele anda com suas próprias pernas – enquanto outros obrigavam que as pessoas do vilarejo os carregassem –; ele também parece se importar com o povo, trazendo promessas de melhoras e proteção. Porém, nem mesmo ele e nem as suas promessas eram bem o que pareciam.

Partindo dessa premissa, Mia Couto constrói um dos melhores romances que eu já tive o prazer de desbravar. Com um aprofundamento histórico maravilhoso e contextualização de dar inveja, o leitor viaja nas nuances da trama enquanto aprende uma história africana muitas vezes ignorada pela escola.


Outro ponto que merece ser ressaltado é o aprofundamento da cultura tida naquela região de Moçambique. Couto apresenta as crenças, os mitos e a poesia que envolvia o cotidiano local. É incrível conhecer novas culturas e novas formas de pensar através da obra. Aliás, em muitos momentos, ficamos nos questionando como uma cultura tão bela como aquela pode ser massacrada, até hoje, costumeiramente.
“Haverá, a propósito, saudade que não seja infinita?” (p. 18).
O autor também merece destaque pelo embuste engenhoso que cria. Com a aparência de um romance “romântico”, ele vai muito além. Ele não se prende e nem se foca tanto no possível casal, mas nas marcas que a guerra deixa na alma dos personagens, sejam eles portugueses ou africanos. O aprofundamento psicológico e das consequências são muito mais importantes do que o romance propriamente dito.

Ademais, para completar a obra magnífica, Mia Couto fecha a estrutura do enredo com personagens cativantes, bem trabalhados e reais. Apesar de parecerem imbatíveis no começo, no decorrer da obra conseguimos ver o que é realmente verdadeiro e o que é aparência. Eles se desconstroem e reconstroem, mostrando as múltiplas facetas humanas.


Completando a enorme qualidade da obra, a Companhia das Letras providenciou uma capa bela e que combina perfeitamente com o enredo. A diagramação, por sua vez, está bem confortável, o que proporciona uma excelente leitura. Por fim, também não tenho o que reclamar da revisão: já é o costumeiro alto padrão de qualidade da editora.
“É para isso que servem as fardas: para afastar o soldado da sua humanidade” (p. 20).
Diante de tantos aspectos positivos, qualquer indicação final seria inútil. Recomendar o livro é muito pouco. Digo apenas: se você quiser ser tocado, já sabe qual livro deve procurar.





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