Há um padrão nos papéis de parede amarelos colados dentro das mulheres ao nascerem. Há um padrão que não é determinado por cromossomos, mas por homens. Tão cedo são colocados que, com o tempo, parecem que sempre estiveram ali; até o dia em que vemos o padrão balançar, exalando o cheiro do confinamento de nossa liberdade.
É no padrão amarelo que nos prendem: loucas, histéricas, vitimistas, culpadas de nossas mazelas. A culpa é nossa, do nosso corpo, dos nossos desejos, das nossas roupas, do nosso comportamento inadequado. Os padrões da culpa preenchem nossas paredes e nos prendem em versões fabricadas de nós mesmas.
Socialmente, eles retocam nossas paredes, recriam e reforçam os padrões. Dizem fazer tal trabalho por amor, por nós. Fazem, na verdade, por eles mesmos. Nossa prisão é a liberdade de seus corpos e nosso desespero é o poder em suas mãos. Nossas lágrimas têm o cheiro amarelo de suas paredes.
Durante a noite, não sabem eles, o padrão se transforma. É o “padrão em primeiro plano que se move... e não é de se surpreender! A mulher ao fundo o balança! Às vezes tenho a impressão de que são muitas mulheres, às vezes apenas uma, e ela rasteja a toda velocidade, e seu rastejar faz com que tudo balance. Nos pontos mais iluminados ela se mantém quieta, e nos pontos mais sombrios segura as grades e as sacode com força” (p. 55).
Cada uma descobre suas maneiras de quebrar o padrão, balançar as grades. Algumas não têm a chance: são mortas, violentadas, estupradas, expostas antes de se descobrirem além das paredes amarelas... A cada onze minutos, o dia amanhece morto para uma de nós: “assim que elas conseguem atravessar, o padrão as estrangula e as vira de cabeça para baixo” (p.56). A cada onze minutos, uma de nós padece sem a chance de arrancar o papel de parede que sufoca.
Obrigadas a rastejar, humilhadas demais para levantar: esse é o comportamento esperado diante do papel amarelado com nossas angústias e medos. “Ele está terrivelmente grudado, e o padrão adora isso” (p. 66), o papel adora nos esmagar dentro de nós mesmas, adora dizer o que é preciso para que nos respeitem como gente.
É uma cena de horror: “há tantas mulheres rastejando, e elas rastejam tão depressa!” (p. 67). Porém, hoje, não vou lamentar a cena. Hoje eu vou gritar para que possam me ouvir: apesar de todos eles, eu saí. Eu “finalmente consegui sair” (p.69).
Rasguem este papel amarelo! Vocês podem! E eles nunca mais poderão nos colocar lá de volta.
Livro citado:
GILMAN, Charlotte Perkins. O papel de parede amarelo. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2016.
Fotos do livro citado: