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Resenha: Uma Gota de Sangue

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Título: Uma Gota de Sangue
Autor: Demétrio Magnoli
Editora:Contexto
ISBN:9788572444446
Ano:2009
Páginas:400
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Sinopse:

Há 100 mil anos, poucas dezenas de seres humanos saíram da África. Seus descendentes, adaptando-se aos diferentes climas, desenvolveram inúmeras tonalidades de cor da pele.
Um dia, alguns voltaram. Primeiro, como comerciantes, adquiriram cativos escravizados pelos próprios conterrâneos. Depois, como conquistadores, impuseram o poder de suas nações sobre a África, alegando que os primos que ficaram faziam parte de uma raça distinta.
A curiosa ideia pegou. Sobreviveu à proclamação dos direitos humanos e à razão científica, difundindo-se no mundo da política. Pessoas de prestígio de todas as cores (até negros!) fingiram acreditar nela - e começaram a passar-se por líderes raciais. Hoje, a pretexto de fazer o bem, traçam-se fronteiras sociais intransponíveis, delineadas com as tintas de uma memória fabricada.
Este livro conta a história de um engano de 200 anos: o tempo da invenção, desinvenção e reinvenção do mito da raça. O nosso tempo.

Resenha:

Uma Gota de Sangueé mais do que um livro sobre o racismo ou o pensamento racial no Mundo, é a gênese detalhada de tal pensamento. Demétrio Magnoli cria um livro sério, contundente, bem embasado, mostrando um profundo conhecimento histórico, social e político. A quantidade de conteúdo que o livro passa torna a leitura obrigatória para quem deseja ter uma visão além do censo comum.

Demétrio traça muito bem, na presente obra, a questão do surgimento da ideia de raças. Aliás, apresenta, inclusive, como isso foi, por muito tempo, patrocinado por alguns seguimentos científicos. Ou seja, em dado momento, uma dominação por motivo de “raça” era praticamente defendida pela ciência, já que essa demonstrava, através de alguns “estudos”, que a “raça branca” era mais inteligente e deveria dominar.


Contudo, com a evolução da ciência, a melhor utilização do método científico e novas informações genéticas, o conceito de raça foi abandonado. Afinal, a parte de nosso DNA que determina a cor da pele é mínima. Ademais, tivemos todos um ancestral comum. A diferença da cor de pele é mera questão de especialização, adaptação. Contudo, apesar de já refutada pela ciência, a ideia de raça parece permanecer nos meios sociais.
“Os ensaios pioneiros de uma ciência das raças situavam-se num quadro puramente descritivo, que excluía o conceito de evolução. O “racismo científico” propriamente dito nasceu junto com o evolucionismo moderno, na segunda metade do século XIX, quando a polêmica entre monogenistas e poligenistas perdeu interesse” (pp. 25-26).
Demétrio demonstra, com muita propriedade, que a questão racial hoje já não é mais científica, mas sim o cruzamento de planos históricos, sociais e ideológicos. Essa junção origina atos hediondos como perseguição, escravidão, descriminação e muitos outros. Apesar de termos hoje um discurso de igualdade, o que vemos é uma tensão velada e uma igualdade mentirosa.

Partindo desse conteúdo histórico, Magnoli analisa também questões presentes, como a questão das cotas, dos grupos de defesa raciais, a restauração das castas e a questão do discurso ideológico pró-raça que infecta cada vez mais pessoas. A sua análise é embasada e forte, mas sempre deve haver espaço para também questionarmos os seus pensamentos. Isso implica que a leitura não deve ser apenas contemplativa, mas crítica. Assim, a obra tornar-se-á ainda mais rica.


Talvez o único problema da obra seja a questão da linguagem – o que não é exatamente um problema. Por ser um estudo claramente acadêmico e fortemente histórico, em muitos momentos a linguagem pode se tornar um pouco menos acessível e muito cansativa para um leitor médio. Contudo, se quem desbravar a obra já tiver um contato contínuo com esse tipo de livro, dificilmente terá algum problema. Até porque o autor procura ser o mais claro possível, buscando, muitas vezes, uma construção mais didática.
“No auge da Ditatura Militar, em 1971, organizou-se em Porto Alegre o Grupo Palmares, liderado pelo professor Oliveira Ferreira da Silveira. Naquele ano, pela primeira vez, por iniciativa do grupo, celebrou-se o 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares no longínquo 1695. O Dia da Consciência Negra, idealizado por Silveira, surgia em contraposição ao 13 de maio, dia da abolição da escravatura” (p. 322).
Quanto à parte física, também restam elogios. A capa é muito interessante e passa muito bem a proposta da obra. A diagramação é simples, mas é razoavelmente confortável. Como as páginas são brancas e a letra não é tão grande, em alguns momentos isso se torna incômodo aos olhos. Contudo, nada que uma pausa ou outra não resolva. Em relação à revisão, temos o padrão Contexto de qualidade, mostrando ser capaz novamente de entregar um livro de alto nível.

Em suma, Uma Gota de Sangueé essencial para todo brasileiro que queira entender melhor a questão racial no Brasil e no mundo. É um livro inteligente, forte, bem amarrado e bem embasado, mas que pode gerar um pouco de dificuldade para leitura em leitores não acostumados com obras mais acadêmicas. Ainda assim, é uma obra recomendadíssima. Talvez, pela primeira e última vez na vida, terei que concordar com a Veja: essa é realmente uma obra ambiciosa e rara no cenário Brasil. Exatamente por isso, merece ser conferida.




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