Era uma vez uma cidade, uma cidade em que todos eram singulares. Únicos. Preciosos. Totais nada-a-ver. Aliás, literalmente: Nada-a-ver-com-nada. Os nada-a-ver compartilhavam seu tempo e sua nada-a-verdiceapenas com outros nada-a-ver que fossem menos nada-a-ver com ele. Confuso? Eu explico:
Na cidade dos nada-a-ver moravam pessoas de todos os tipos:
“O-que-sorri era parente próximo
D’O-que-assobia, que por sua vez
Era amigo D’O-que-quer-ficar-livre
E D’O-que-cata-borboletas”.
Acontece que eles não eram os únicos. E tão diferentes eram entre si, e entre os outros, que os nada-a-ver nunca poderiam ficar todos juntos. Afinal, em que mundo caberia, numa mesma sala, D’O-que-cata-borboletas e O-que-vê-a-vida-passar, que vive olhando para o relógio? Ao que parece, no nosso. Mas, voltemos aos nada-a-ver.
Nem só de extremos vivia a cidade. Havia um grupo de intermediários:
“Eram mais engraçados,
Talvez mais esquisitos. Mas não eram de forma
Alguma lunáticos ou palhaços de circo”.
Eram peças muito mais comuns, você vai concordar: O-que-fala-sozinho e O-que-faz-tudo-bem-devagar. Os Nada-a-ver talvez se achassem raros, por isso, para que se misturar? Cada um sabia tudo de si e como se virar.
“Até que um dia uma coisa à toa fez tudo mudar”. Que coisa à toa seria essa? É simples, fácil de adivinhar. Um danado nada-a-ver acabou-se por se apaixonar. A paixão foi motivo de escândalo. Quem ousa, assim, desafiar os padrões nada-a-ver-com-nada? Porém,
“A paixão foi fulminante,
E O-que-olha-o-espelho
Passou a olhar sempre
O-que-tem-cabelos-lisos,
Às vezes através do espelho”.
De escândalo e de exemplo foi motivo a paixão: tinha nada-a-ver pra tudo quanto é lado desafiando o padrão. A confusão foi totalmente deliciosa, harmoniosa. Revolucionária. É isso que dá a gente se misturar, a gente aprende que todo mundo tem algo a compartilhar. Os nada-a-ver que rejeitaram as mudanças, ixi, esses empacaram na tal sensatez! Ah, mas para compensar, muitos queriam ser livres, mudar e aprender outra vez:
“O-que-olha o relógio
Também queria ficar livre, O-que-canta
Queria ter o direito de esperar pelo
Pior, O-que-pinta-o-sete queria ter sono,
O-que-gosta-de-fila queria catar borboletas
E O-que-é-completamente-desorientado
Queria dizer NÃO!”
E foi assim que os nada-a-ver de Alphen viraram seres completamente apaixonados, “felizes e infelizes também”. Saltando de recortes coloridos da Juliana Bollini e vivendo na existência confusa, aflita, desafiadora e extasiante de cada um de nós.
“E não é que deu certo, mesmo
Que também um pouco errado?”
E os nada-a-ver, em suas páginas de encanto, deixam o simples recado: ser o que se é não é errado. Errado é a gente achar que não pode mudar e escolher nosso próprio retrato. Vamos caçar borboleta, falar sozinhos, desorientadamente responsáveis, seja lá o que for. Seja o que precisar. E seja sempre ao lado de todos aqueles que são.
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