Título: A Cidade Sitiada
Autora: Clarice Lispector
Editora: Rocco
ISBN: 8532508731
Ano: 1998
Páginas: 191
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Sinopse:
Lucrécia Neves vive num subúrbio em crescimento, São Geraldo, na década de 1920. O desejo de ser rica e de sair dos limites da cidade a fazem apostar no casamento com Mateus, que a leva para morar na cidade grande. No entanto, a nostalgia do subúrbio a invade de tal forma que ela retorna a São Geraldo, agora tão diferente daquela em que vivera. Viúva, ela se vê diante da possibilidade de iniciar uma relação amorosa mais verdadeira com o doutor Lucas, fato que não se concretiza. A carta da mãe chamando-a para mudar-se para a fazenda dá-lhe uma nova chance de jogar-se numa aventura amorosa e na busca de si mesma.
Resenha:
Lucrécia Neves é uma personagem complexa, dessas que a gente encontra principalmente na obra da Clarice Lispector. Uma quase alma gêmea de Macabéa, a protagonista tem um vínculo todo especial com o subúrbio de São Geraldo e é praticamente desprovida de pensamento próprio: ela é o que ela vê; ela é o seu subúrbio tão amado.
Lucrécia se mistura completamente com a paisagem, com aquilo que vê. Contudo, apenas isso não basta, ela quer algo mais. Para isso, namora, buscando um casamento. No começo, tinha dois namorados: Felipe, um militar, suprindo a fixação da protagonista por homens de farda; Perseu, homem belo e bem-educado, mas um fraco, que não marca posição. Entre encontros com um e outro, Lucrécia não recebia seu pedido de casamento e também continuava sitiada. Ela não sabia do que vinha a asfixia, mas ela existia.
Entre um e outro, a moça acaba se casando com um terceiro, que a leva para longe de São Geraldo; a sua visão muda, o que ela é muda também um pouco. As sensações são diferentes, mas ainda resta um pouco de nostalgia, de desejo de voltar para casa, para o seu subúrbio. Lucrécia quer muitas coisas, o amor, o fim da sua carceragem, o pensamento... Mas ela não vê nenhum deles, então não os alcança. Tudo na vida da protagonista parecia altamente complexo. Seria ela capaz de transpor tudo?
“Até centros espíritas começavam a forma-se acanhadamente no subúrbio católico e Lucrécia mesma inventou que às vezes ouvia uma voz. Mas na verdade ser-lhe-ia mais fácil ver o sobrenatural: tocar na realidade é que estremeceria nos dedos” (p. 23).
A Cidade Sitiadaé um romance diferente do que estamos acostumados, principalmente por Lucrécia ser uma protagonista incomum. Com pouca vontade própria e quase nenhum pensamento, ela vive por imagens, pelo que sente. Isso dá à obra uma característica totalmente diferente, algo entre uma visão profunda e uma sinestesia exacerbada. O texto torna-se mais do que um livro, mas uma experiência literária complexa, densa, mas envolvente.
A linguagem do texto é mais voltada para a conotação, para o metafórico, para os sentidos. Por isso, a leitura é mais lenta e cada detalhe é essencial para que se entenda a obra. As descrições são grandes, fazendo com que o leitor veja e sinta aquilo que Lucrécia também vê. Há um claro objetivo de nos envolver, de nos sitiar, tornando-nos, assim, companheiros da protagonista na jornada de descobrindo e redescobrimento.
Apesar do livro ser denso, a simplicidade é uma marca evidente da obra. Tudo na vida de Lucrécia é simples, até porque ela vive pelo que ela vê. Então não espere grandes pensamentos e reviravoltas, o livro segue o fluxo da visão, da vida. Há uma sequencialidade nas ações e sentimentos simples, mas que envolvem completamente.
“A moça não tinha imaginação mas uma atenta realidade das coisas que a tornava quase sonâmbula; ela precisava de coisas para que estas existissem (p. 43).
Por ser uma obra mais densa, A Cidade Sitiadanão é para todos e nem para todos os momentos; é necessária vontade de lê-la, de se entregar ao fluxo narrativo e se deixar levar pelas experiências literárias. Lida no momento errado, provavelmente ficará aquém das expectativas. Caso seja desbravada no momento correto, maravilhará o leitor. Para tal, não pode ser lida com pressa e nem desleixo, mas com atenção redobrada, comendo as linhas e as entrelinhas.
Quanto à parte física, há também só elogios para o trabalho da Rocco. Temos uma capa belíssima e que retrata muito bem o que podemos esperar do texto. Ademais, a editora providenciou um trabalho totalmente especial com o texto, gerando uma leitura profunda e agradável.
Em suma, A Cidade Sitiadaé uma grande obra, mas que precisa ser desbravada no momento correto, sem pressa, sem afobação. Cada palavra precisa degustada. Para quem gosta de livros mais profundos, sem dúvidas esse é uma ótima opção.