Título Vidas Secas
Autor: Graciliano Ramos
Edição: 109
Editora: Record
ISBN: 9788501067340
Ano: 2009
Páginas: 176
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Sinopse:
O que impulsiona os personagens é a seca, áspera e cruel, e paradoxalmente a ligação telúrica, afetiva, que expõe naqueles seres em retirada, à procura de meios de sobrevivência e um futuro. Apesar desse sentimento de transbordante solidariedade e compaixão com que a narrativa acompanha a miúda saga do vaqueiro Fabiano e sua gente, o autor contou: "Procurei auscultar a alma do ser rude e quase primitivo que mora na zona mais recuada do sertão... os meus personagens são quase selvagens... pesquisa que os escritores regionalistas não fazem e nem mesmo podem fazer ...porque comumente não são familiares com o ambiente que descrevem...Fiz o livrinho sem paisagens, sem diálogos. E sem amor. A minha gente, quase muda, vive numa casa velha de fazenda. As pessoas adultas, preocupadas com o estômago, não tem tempo de abraçar-se. Até a cachorra [Baleia] é uma criatura decente, porque na vizinhança não existem galãs caninos". VIDAS SECAS é o livro em que Graciliano, visto como antipoético e anti-sonhador por excelência, consegue atingir, com o rigor do texto que tanto prezava, um estado maior de poesia.
Obra do autor anteriormente resenhada:
Resenha:
“A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”, afirmava Graciliano Ramos. Em Vidas Secas, encontramos essa premissa levada ao máximo, gerando uma obra enxuta, seca, como as vidas, como o Sertão. As palavras são feitas para dizer, assim como a vida é feita para viver. Porém, o que é viver? Há vida em meio à seca?
Nesta obra, acompanhamos a vida de Fabiano, que, juntamente como a sua família, perambula pelo Sertão em busca de uma qualidade de vida melhor. A seca se reflete em sua alma e na vida de sua família; magros, com fome, com cansaço, com dor. Ao encontrarem um abrigo, a felicidade aparece, ou melhor, um entusiasmo momentâneo. Afinal, a felicidade parece já ter mudado para outras bandas, onde a chuva a rega.
Estabelecendo uma nova moradia, somos levados a conhecer um pouco mais do cotidiano dessa família: Fabiano, o bicho-homem, forte e decidido, querendo um pouco mais para os seus e cuidar dos bichos para ganhar dinheiro; Sinha Vitória, uma esposa respeitável, que sonha em ter uma cama confortável para repousar à noite; os dois filhos, o mais velho e o mais novo, com sua sede de conhecimento, com o medo das pancadas, com a dor de só ver morte ao redor; e Baleia, a cadela que derrete corações, sendo valorosa.
“– Você é um bicho, Fabiano. – Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer as dificuldades” (p. 19).
Através desses personagens, gente comum, sofrida, encontramos a vívida imagem da desigualdade social, da dor, da vida à margem, da seca que devora tudo e da enchente que tudo devora. A educação e a saúde são inexistentes; vemos também o governo e a polícia que só aparecem para agredir e cobrar impostos. Uma vida de cão, mas uma vida tão parecida com a de milhares de brasileiros.
Com uma linguagem simples, direta, ressequida como o chão que Fabiano pisa, Graciliano vai esfregando na face do leitor a realidade social do Brasil; o tom da obra é reflexivo, levando-nos a imaginar as dificuldades passadas e analisar o que mudou desde os anos 30 no Brasil. O olhar mais psicológico também é abordado, apresentando os dilemas dos protagonistas, as suas ansiedades e suas dores, sem deixar, é claro, de dar também o foco necessário no ambiente que cerca Fabiano e a sua família.
A tentativa de entender o mundo a sua volta, porém, não é apenas do leitor, mas também de Fabiano. Por muitas vezes ele se questiona porque o mundo é desta forma, repleta de gente explorada, agredida; repleta de morte e dor. Por que o governo, omisso, só aparece para comer-lhe as economias? Se ele cria o porco, cuida, alimenta, sustenta, não faz sentido, na hora da venda, der que perder parte do porco para as autoridades. É melhor não criar porco, essa é a conclusão do protagonista, já que o pouco que se tem, que se luta, é roubado.
“Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Tinha? Não tinha” (p. 22).
A obra Vidas Secasé única porque, enquanto a literatura se ocupa da construção, seja do arco narrativo, seja dos personagens e da sua história, Graciliano Ramos se ocupa da desconstrução, do homem, da vida, da realidade. O mundo vai desabando lentamente, assim como a vida em sociedade. O único elemento que parece se construir, página a página, é a angústia da família.
Vidas Secasé uma obra densa em sua simplicidade. A escrita é leve, direta, fácil. Porém, quando se atenta aos detalhes, às entrelinhas, encontramos um dos livros mais importantes e reflexivos da literatura brasileira. Não é sem motivo que, através dessa obra, Graciliano tenha se imortalizado. O triste é perceber que, talvez, a sua análise seja sempre viva, pois a realidade degradante do Brasil também parece imortal.
Para acompanhar o enredo excelente, a Record preparou também uma incrível parte física. O livro conta com um posfácio ótimo, elucidando diversos pontos da obra. Temos também um bom trabalho gráfico, onde a diagramação é muito boa e confortável, fazendo com que a leitura seja ainda melhor. Para fechar, a obra também recebeu uma ótima revisão e trabalho editorial, no melhor padrão Record.
“Então por que um sem-vergonha desordeiro se arrelia, bota-se um cabra na cadeia, dá-se pancada nele? Sabia perfeitamente que era assim, acostumara-se a todas as violências, a todas as injustiças. E aos conhecidos que dormiam no tronco e aguentavam cipó de boi oferecia consolações: – Tenha paciência. Apanhar do governo não é desfeita” (p. 33).
Em suma, Vidas Secasé uma obra simples, mas densa; de aparente facilidade, mas complexa nas entrelinhas; é uma análise social crível, forte. Esta é uma obra obrigatória para todo leitor brasileiro, não por se tratar de um clássico, mas por se tratar de nós, das nossas vidas secas e angústias.