Era uma vez uma menina. Uma menina que nasceu com a alma florida, feita sonho. A menina sonhava em ser astronauta. Enquanto os adultos falavam sobre dificuldades e cifras, ela pensava nas estrelas. Como elas seriam de perto? Ela fechava os olhos e podia tocá-las. Era uma vez uma menina cheia de sonhos. Sonhos dela. Escritos e desenhados por si. E por sua alma feita confiança. E era apenas uma vez.
Era. Porque Sejamos Todas Feministas não é sobre a menina de alma florida. Sejamos Todas Feministas é sobre como uma sociedade machista arranca, pouco a pouco, as flores de uma infância feita primavera. Feita menina. É sobre como tudo vira rosa, sem opções. Sobre como tudo vira casa, cama, cozinha. Sobre como transformam meninas astronautas em mulheres submissas, impedidas de saírem do chão.
Sejamos Todas Feministas, com todas as ressalvas que eu, feminista, poderia fazer, é um texto sobre como nos designam tarefas. Como nos dizem o tempo todo o que fazer e como fazer. Sobre como nos tentam explicar tudo, quando sabemos mais. Sobre como nos impedem de fechar os olhos e, por pelo menos um segundo, tocar as estrelas.
Acontece que a menina flor, a menina força, a menina firme, não quer um segundo nas estrelas. Ela quer a vida. A vida que é dela. De suas escolhas. De sua força e de sua coragem. A vida que deveria ser sua, de suas escolhas, de sua força e de sua coragem. No entanto, ainda pequena, foram, aos poucos, arrancadas dela cada uma dessas coisas. Ser astronauta é para meninos. E, se ela chegar lá, irão perguntar se estava faltando gente para lavar os pratos no espaço.
É assim que, de repente, Sejamos Todos Feminista começa a fazer sentido. Por causa da menina força. Porque não há outra opção que a união e a força para que ela exista. É assim que a palavra incompreendida, usada como xingamento, vira, de repente, um pilar: feminista. Flor. Forte. Firme. Feminista. De pé para alcançar as estrelas. Forte, para resistir. Firme para sonhar. Flor porque quer ser. Feminista.
É assim que, numa segunda, as seis, depois de ônibus lotados e assédios, ela se veste de astronauta e luta. Luta nas praças. Na rua, que é lugar da gente. Para lembrá-los de seus enganos. Para lembrá-los que a voz é dela. É nossa. A decisão é dela. É nossa. A força é dela. É nossa. As estrelas são delas. As estrelas são nossas.
“O ‘olhar masculino’, como determinante das escolhas da minha vida, não me interessa” (p. 42). Também não interessam à menina feita flor. Nem a você. O que nos interessa? As estrelas, a nossa liberdade. A escolha de sermos quem quisermos, dos pratos ao espaço. O lugar não é o problema, a falta de escolhas é.
Sejamos todas feminista é o que antes peço. E aqui eu repito: o laço entre nós, mulheres, é a essência da nossa resistência e liberdade. Resistamos dentro e fora das páginas. Sejamos.
Referência:
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos Todos Feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2015
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