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Desbravando Nós: Para educar crianças feministas – um manifesto

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Sou Mariane.  Sou mulher, defensora dos direitos humanos, professora em formação: feminista.  Por todos esses motivos, e por muitos outros, comemorei quando, pela primeira vez, vi ser anunciado o livro Para Educar Crianças Feministas, de Chimamanda Ngozi Adiche, mulher, escritora nigeriana e autora de Sejamos Todos Feministas. Apesar dos pequenos desacordos, Chimamanda me faz lembrar da importância de sermos claras e simples, sem nunca deixarmos de ser fortes e firmes quando o feminismo está em discussão. Ela escreve um livro que é, muito além de um manifesto, uma carta endereçada a uma amiga. E, hoje, a amiga de Chimamanda sou eu. A amiga de Chimamanda é você. E, juntas, lembramos ao mundo da necessidade de educar crianças feministas.

Essas são algumas propostas para começarmos...

Para Chimamanda, educar crianças feministas requer que nós, mulheres, nos compreendamos como completas: independente de casamento, filhos ou outras imposições de uma sociedade estruturalmente machista. Acreditar e lutar pela liberdade das meninas perpassa pela luta por nossa própria liberdade e autonomia, pela liberdade de escolhermos ser. Para mim, é uma ilusão acreditarmos em nossa real escolha enquanto diversas mulheres continuam sendo esmagadas pela lógica do capital e pela organização desigual da sociedade. Porém, juntas, miramos o horizonte. Continuamos caminhando e lutando.

Educar crianças feministas significa não isentar os homens de suas responsabilidades. Quais? As responsabilidades de alguém que vive em sociedade, que mora em uma casa, que é pai, irmão, tio, primo ou professor. Significa que ele também pode usar as tais das “palavras mágicas” para pedir as coisas, ele não manda por ser homem. Significa que ele não ajuda em casa, mas que divide as tarefas: ele não é seu hóspede. Significa que ele não passa tempo com as crianças porque você precisa lavar a louça; ele fica com as crianças porque passar tempo com quem amamos é o que fazemos. Ele não insinua que as alunas são naturalmente ruins em matemática, física e química, ao contrário, ensina com a mesma dedicação e cuidado. Exponha os homens e o seu machismo. Embora seja difícil lutar contra o sistema, não esqueça o feminismo ao se relacionar com homens, seja ele quem for.

Para Chimamanda, educar crianças feministas significa romper com os papéis de gênero. As cores não têm dono. Brinquedos são para crianças. Esportes são para pessoas. Se, numa frase, eu troco “menino” por “menina” e a ação torna-se inaceitável: isso é sexismo. Outro dia, um menino, de 4 anos, na escola em que faço estágio, escolheu um papel rosa para fazer um barquinho. Quando ele disse que queria o papel rosa, vi seu olhar a procura de reprovação. Nenhuma criança reclamou do seu barquinho rosa. A professora entregou o papel de forma natural. Talvez ela nem saiba, mas sua naturalidade ajudou a educar uma criança para um mundo feminista. Porque, em um mundo sem desigualdade de gênero, as crianças podem descobrir seu potencial sendo quem são. As cores são mero detalhe.

Não acredite na ideia de um “feminismo leve”, em que as mulheres podem tudo, se os homens deixarem. Não existe mudança na situação das mulheres nesse tipo de percepção. Para educar crianças feminista é preciso mostrar que uma mulher não deve fingir ser fraca porque isso fere a “masculinidade” de um homem. “Estamos tão condicionados a pensar o poder como coisa masculina que uma mulher poderosa é uma aberração. E por isso ela é policiada” (p. 33). Para educar crianças feministas é preciso não policiar as escolhas das mulheres. Policiar as escolhas das mulheres, pelo simples fato de serem mulheres, é machismo. Essa patrulha, muitas vezes, se impõe pela linguagem: vadias e putas são as mulheres que ousam escolher. Para educar crianças feministas: denuncie a linguagem machista e as ensine a denunciá-la. Não a incorpore.

Para Chimamanda, educar crianças feministas significa ensinar às meninas que elas não são obrigadas a agradar. Suas escolhas devem ter a ver com honestidade e senso de humanidade, não com o gênero. A ideia de que meninas precisam sorrir para todos, que precisam ser “boazinhas”, também é machista. A construção da identidade feminina é importante: além de princesas resgatadas por príncipes, mostre o que mulheres e meninas de verdade já fizeram. Mostre como as mulheres, inclusive as que estão a sua volta, são fortes, corajosas e capazes de alterar este cenário social tão precário para todas nós.

Educar crianças feministas é uma difícil tarefa. Por quê? Porque vivemos em uma sociedade estruturada pelo machismo. Porque aprendemos a, constantemente, reproduzi-lo. Portanto, uma das questões mais importantes ao pensarmos na educação de crianças feministas é pensar em nosso papel como educadoras. E pensar em nosso papel como educadoras é, sobretudo, repensar nosso discurso; rever nossas práticas. Ser uma mãe, irmã, tia, prima, professora feminista significa romper com os paradigmas que nos aprisionam e apresentar as nossas meninas, e também aos nossos meninos, que há vida além dos padrões impostos às mulheres. É nosso direito viver além deles.

Obs.:Esse texto é publicado em uma semana turbulenta e de muita luta feminista. Homens, com condutas machistas e criminosas, foram expostos. Homens tão machistas quanto os agressores vieram a público: os defenderam. Brincadeira continua sendo a desculpa. E a culpa? A culpa é nossa. Até que se prove o contrário. E, quando se prova, continuamos culpadas: loucas, histéricas, provocantes. Para educar crianças feministas é preciso ensinar que machismo, assédio e agressão não são brincadeira. Não são culpa da mulher. Porém, são crimes. E se a voz de uma não pode ser ouvida, gritemos todas.

Manifeste-se contra o machismo. Resistamos.

Referência:
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Para educar crianças feministas: um manifesto. São Paulo, Companhia das Letras, 2017

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