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Resenha: Cada Homem é uma Raça

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Título:Cada Homem é uma Raça
Autor:Mia Couto
Editora:Companhia das Letras
ISBN:9788535928525
Ano:2017
Páginas:200
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Sinopse:

Mia Couto é um escritor sobretudo generoso. Neste livro que reúne onze contos, publicado originalmente em 1990, ele prova isso mais uma vez. Os indivíduos são sempre objeto de fascínio e a descrição de suas vidas jamais traz qualquer julgamento. Com sua escrita poética inconfundível, que resulta num português com a melodia das línguas africanas, ele apresenta um rico universo de vivências de figuras moçambicanas. Se no conto “A Rosa Caramela” acompanhamos os dissabores de uma mulher corcunda que enlouqueceu depois de ter sido abandonada ao pé do altar, em “A princesa russa” a situação é de uma estrangeira que se vê num país desconhecido e com um marido hostil, e se alia a um de seus empregados nativos para sobreviver. “A lenda da noiva e do forasteiro” e “O embondeiro que sonhava pássaros” são exemplos dos contos mágicos e exuberantes de Mia, ao passo que “O apocalipse privado do tio Geguê” e “Os mastros de Paralém” têm um cunho político mais claro.

Resenha:

Mia Couto é um poeta da prosa, um poeta de causos, de lapsos, de mundos e raças; no plural, pois cada homem é um mundo e também uma raça. Cada homem é um emaranhado de sentimentos e desejos, de vontades ardentes e desilusões. Não importa em qual parte de Moçambique, cada homem e mulher se arrasta com o peso de um mundo de esperanças nas costas; às vezes, um mundo de sofrimento também.

Em Cada Homem é uma Raça, Couto mostra, mais uma vez, porque é um escritor tão admirado. Se os seus romances, históricos ou não, são profundos e mostram como a alma e a vida são poéticas, os seus contos fazem o mesmo, apesar de temas mais banais. Couto sabe pegar a mágica de cada instante e transformar em palavras. O português, em sua mão, deixa de ser uma língua e transmuta-se em uma entidade viva, dançante, abundante. Ele transforma a arte de viver em arte de escrever.

Nas palavras de Couto, tudo se transforma em reflexão, beleza e poesia. No primeiro conto, por exemplo, conhecemos Rosa, uma corcunda que “era a mistura das raças, seu corpo cruzava muitos continentes” (p. 13). A dor lhe encurvava ainda mais. O desprezo aos diferentes, sentindo na pele, tornava Rosa uma mistura de loucura e liberdade. Ela poderia fazer o que quisesse; abandonada e tida como louca, não havia o que perder. Porém, o que talvez ninguém soubesse, é que certos olhares nos apanham e nos redimem. Rosa, certamente, receberia o seu.


Em Rosa, conhecemos e reconhecemos a dor, a ternura e também a angústia. A desesperança de quem deseja o que não tem é agonizante. A vida é um mar de desencontros e Rosa foi uma de suas vítimas. Porém, até mesmo a tristeza mais comum, que é a do abandono, tem as suas correspondentes belezas. É isso que Couto nos faz enxergar.

Em O Apocalipse privado do tio Geguê, descobrimos que a “história de um homem é sempre mal contada. Porque a pessoa é, em todo o tempo, ainda nascente” (p. 29). Afinal, construímo-nos e nos reconstruímos a cada dia, a cada instante, a cada ação. “Ninguém segue uma única vida, todos se multiplicam em diversos e transmutáveis homens” (p. 29). Nesta multiplicação, reconhecemo-nos como homens e mulheres, encontramos nossos amores e desconstruímo-nos e reconstruímos.

Neste conto, assim como nos demais, Mia nos apresenta como a fluidez do mundo balança a alma e a revira. No desejo e por ele, fazemos coisas incríveis e banais, sujas e maravilhosas, da morte à vida. A poesia está no nascer de si mesmo e no morrer dos outros, mesmo quando ambos são dolorosos. A poesia está no reconhecimento de que “não há bons nesse mundo. Há são maldosos com preguiça” (p. 40). A preguiça, então, maior dos pecados, é uma virtude desejável. A maturidade também.


Em Cada Homem é uma Raça, Mia Couto nos dá uma aula de humanidades e de vida; ensina-nos a ver o melhor nas pequenas coisas e a perceber a beleza do que não é, aos olhos ocidentais viciados, belo. Descobrimo-nos e nos redescobrimo-nos. Ler Mia Couto é uma viagem para dentro de si e para fora do mundo. É uma redescoberta de tudo e do nada.

Ao ler Mia Couto, a beleza física da obra conta, mas é superficial. A capa do livro é bela, assim como o trabalho da editora é bom. Entretanto, o que salta aos olhos são as pessoas, de uma maneira que nunca as vemos. São as Rosas e Geguês, que ganham destaque, apesar de serem apenas mais uma raça, dentre as bilhões que existem no mundo.

Dar uma chance à obra do Mia Couto é mais do que uma necessidade, é o clamor por redescobrir o mundo. Mergulhe e entenda-se como mundo; não irás se arrepender.



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