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Entrevista: Maicon Tenfen

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Biografia:

Maicon Tenfen nasceu em Ituporanga, interior de Santa Catarina.
Formou-se em Letras em 1998. Entre 2000 e 2006, concluiu os cursos de mestrado e doutorado em Teoria Literária na Universidade Federal de Santa Catarina.
A partir da publicação do primeiro livro, em 1996, lançou duas dezenas de títulos entre crônicas, contos, ensaios e romances. Destacam-se Um Cadáver na Banheira (romance, 1997), O Impostor (contos, 1999), Mistérios, mentiras e trovões (contos, 2002), A Culpa é do Mordomo (crônicas, 2006), Breve Estudo sobre o Foco Narrativo (ensaio, 2008), A Galeria Wilson (romance, 2010) e Ler é uma droga: crônicas sobre livros e leitura (2012).
Por mais de dez anos escreveu crônicas semanais para o Diário Catarinense. Também colaborou com o Jornal de Santa Catarina, assinando uma coluna diária entre 2007 e 2011. Duas vezes recebeu o primeiro prêmio do Concurso de Contos Paulo Leminski (1997 e 1999) e também foi o primeiro colocado do Concurso de Contos de Araçatuba de 2005. Quissama - O Império dos Capoeiras é finalista do Prêmio Jabuti 2015 na categoria literatura juvenil.
É professor de Literatura Braseileira na FURB (Universidade de Blumenau), ministra oficinas de redação criativa e já realizou mais de 400 palestras em escolas de ensino fundamental, médio e superior. Apresenta o Literatus TV, um programa sobre literatura exibido pela NBR TV e pelo YouTube.
Dedica-se atualmente à tradução e adaptação dos manuscritos de Daniel Woodruff.

Sobre o livro:

Quissama – O império dos capoeiras (resenha)– Rio de Janeiro, dezembro de 1868. O moleque Vitorino Quissama foge da senzala para procurar a mãe desaparecida. Recorre ao viajante Daniel Woodruff, exagente da Scotland Yard que pode ajudálo em sua missão. Transitando entre os salões da corte e as precárias moradias dos cortiços, a dupla terá de enfrentar os perigos e as injustiças de uma sociedade sustentada pelo trabalho escravo.
Baseado nos manuscritos de Daniel Woodruff (1832-1910), O Império dos Capoeiras reconstitui a saga de uma cidade dividida pela guerra secreta dos Nagoas e Guaiamuns, duas das maiores e mais temidas maltas do século XIX. Numa época em que o escritor José de Alencar era Ministro da Justiça e o Império do Brasil destinava todos os seus recursos à Guerra do Paraguai, Woodruff mal podia imaginar que, por trás da busca pessoal de Vitorino, insinuavase uma conspiração que mudaria os rumos da nossa História.

Entrevista:

1. Olá, Maicon. Primeiramente, obrigado por conceder a entrevista ao blog.
Comece, por favor, se apresentando aos leitores. Quem é Maicon Tenfen? Por que você começou a escrever?
Acho que sou um sujeito que gosta de mentir. Daí a minha vocação de escritor, já que, como se sabe, todo escritor é uma espécie de mentiroso profissional. Meu ofício de romancista não só me dá autorização para mentir como me obriga a fazer isso da melhor maneira possível. Indiretamente, estou me referindo àquilo que o Mario Vargas Llosa chama de “Verdade das Mentiras”. É justamente quando você mente com mais intensidade, ou seja, quando faz literatura, que as verdades ocultas do indivíduo e da sociedade acabam vindo à tona. Compliquei? Talvez, mas o fato é que, se você quiser conhecer uma determinada cultura, procure por seus romances, contos e poemas, ou seja, por seus textos de mentirinha e faz-de-conta, e não por seus artigos científicos ou jornalísticos, que se pretendem verdadeiros.

2. Quissama começa de uma maneira bem interessante e que prende a atenção do leitor: há uma afirmação de que o enredo é totalmente verídico e que o livro é um resgate de manuscritos antigos. Mate a nossa curiosidade: quanto do livro é realmente real?
Já admiti que sou mentiroso. Infelizmente, não posso ser irresponsável na mesma medida. Se fosse, diria que todo o romance é verdadeiro, já que foi baseado nos manuscritos de um inglês metido a aventureiro que respondia pelo nome de Daniel Woodruff. Conforme anotado na última página do livro, eu e a Editora Biruta deixamos bem claro que Quissamaé uma obra de ficção. O recurso dos manuscritos serve para dar mais veracidade à história e fazer uma brincadeira com os romancistas do século XIX. José de Alencar, por exemplo. Aqueles caras adoravam dizer em prefácios que o livro que o leitor estava prestes a ler nada mais era que um manuscrito encontrado numa arca ou coisa semelhante. Considerando que o Quissama pretende ser uma espécie de romance de aventuras do século XIX – mas atenção: com o herói negro, algo impossível na época – recorri ao mesmo expediente.

3. Geralmente, é necessário um bom tempo de pesquisa para tecer uma boa obra. Como foi o seu processo de pesquisa e quanto tempo ele demorou? Você acredita que esse período foi essencial para o bom desenvolvimento da obra?
Sim, foi essencial. A pesquisa durou quase dois anos. Envolveu a leitura de inúmeros livros sobre a história do Segundo Reinado, o período em que se passa a nossa aventura. Nesse sentido, os estudos do Carlos Eugênio Líbano Soares foram fundamentais. Ele é um dos maiores pesquisadores brasileiros da Capoeira e da cultura negra em geral. Mas também fiz pesquisa de costumes nos romances da época, especialmente em Machado de Assis, José de Alencar e Aluísio Azevedo. Como as pessoas se vestiam? O que comiam? O que faziam para se divertir? Quais eram os modismos e as gírias correntes? São perguntas que os livros tradicionais de História não podem responder. Por fim, fiz uma pesquisa topográfica. Visitei o Rio de Janeiro e passeei calmamente pelos cenários da história: a Rua Riachuelo, na Lapa; a tradicionalíssima Rua do Ouvidor; a Praça da Constituição (hoje Praça Tiradentes); a Rua Uruguaiana, onde ficava o Alcazar Lírico de Madame Aimée, o café-cantante mais badalado de todo o Rio de Janeiro. Durante todo esse processo, os personagens foram surgindo e o enredo foi se desenhando na minha cabeça. Depois foi só sentar e escrever, um trabalho que durou mais oito meses.

4. Na maior parte das vezes, os autores também são leitores vorazes. Quais são os seus autores favoritos? Há alguma influência desses escritores na sua escrita?
Tenho muitos autores favoritos, e eles mudam conforme o passar do tempo. Às vezes estou mais propenso a leituras ligeiras e descompromissadas, algo do gênero best-seller, mas às vezes estou a fim de encarar livros mais elaborados, mais eruditos, que me desafiam enquanto leitor. No fim das contas, porém, sempre acabo voltando aos mesmos autores, como o Llosa, que já citei, o José Saramago, o grande Rubem Fonseca (que homenageei com um easter egg no Quissama: ahá, duvido você descobrir!), o Machado de Assis e aquele que eu considero o maior contador de histórias que o Brasil já conheceu: Erico Verissimo. É bem provável que todos esses autores – e muitos outros – exerceram influência sobre a minha escrita. O grande desafio de um escritor, por isso, é encontrar a sua voz própria. Influência é uma coisa, imitação é outra. Basta que o leitor tenha um pouquinho de experiência para perceber se você está emulando ou copiando o estilo dos seus ídolos.

5. Eu vejo Quissama como um livro que pode ter uma continuação. Existe essa possibilidade? Se sim, há alguma previsão?
Sim, o Quissama terá continuações. Ele foi planejado como uma trilogia. O segundo volume, que se passa na Guerra do Paraguai, sairá em 2016. O terceiro, com nossos heróis de volta ao Rio, tem previsão de lançamento para 2017.

6. Quissama teve o seu universo ampliado para um jogo. Conte-nos um pouco mais sobre esse projeto e como foi ver sua obra alcançando novos horizontes.
É fantástico ver a adaptação de um livro para outras mídias, sejam quais forem. Isso porque uma adaptação sempre pressupõe uma releitura da obra original. A trama e os personagens se aprofundam, adquirem novos significados, às vezes sequer imaginados pelo autor inicial. No caso do jogo, foi melhor ainda porque pude acompanhar todo o processo de criação, um processo que se deve inteiramente ao meu amigo Ricardo Spinelli, alguém que, ao contrário de mim, entende muito de jogos de tabuleiro. Agora, veja que coincidência: o Ricardo é citado na introdução do livro como alguém que me prestou assessoria na tradução dos manuscritos de Daniel Woodruff. Naquela época, não havia o objetivo de se criar um jogo. O destino é que trouxe essa boa ideia para o Ricardo, que fez um excelente trabalho e criou situações lúdicas que têm a ver com o livro mas que funcionam independentemente da leitura. Já joguei muito Quissama, mas até hoje só ganhei uma partida...

7. Seus personagens são profundos e bem construídos, o que me agradou demais. Sabendo que criar um personagem é como fazer uma amizade, você tem algum personagem seu que é o queridinho? Se sim, por quê?
Sem a menor dúvida, sou um amigo fiel de Vitorino Quissama. Eu tenho certeza absoluta de que, numa situação de perigo, ele faria o possível para me ajudar. Nunca se acovardaria, nunca retrocederia. Muitas pessoas leem o livro e falam comigo sobre o tema profundo da obra. É a amizade. A amizade entre dois indivíduos de mundos e condições opostas. Só têm uma coisa em comum: na hora do perigo, ajudam-se mutuamente, custe o que custar, não por uma questão de troca, de toma lá dá cá, mas por uma questão de hombridade, de justiça, de coragem, de saber que aquilo é o certo a fazer. Quissama e Woodruff ainda passarão por maus bocados nos próximos episódios da série. Espero que achem um jeito convincente de se safar.

8. Todo escritor, um dia, dá seus primeiros passos na literatura. Quais dicas você dá para quem está começando?
Três conselhos: ler, ler e ler. É impossível que você possa criar algo interessante sem conhecer a tradição literária e o estilo dos principais criadores. Emular um autor preferido pode ser bom no começo, mas chegará o momento em que, como falei há pouco, o aspirante a escritor deve buscar a sua própria voz, a sua própria maneira de escrever e contar uma história. A prática constante é a única forma de chegar a esse ponto.

9. Maicon, novamente, muito obrigado por conceder a entrevista ao blog e parabéns pela boa obra criada. Agora o espaço é todo seu: deixe uma mensagem para os leitores, venda seu livro, convide-os para conhecer novos projetos... Fique à vontade!
Ah, obrigado. Então aproveitarei a oportunidade para fazer dois convites. O primeiro: conheçam o Quissama, leiam os livros da série, joguem uma partida no tabuleiro. Todo o projeto foi feito com sincera dedicação. O segundo: visitem o meu canal no YouTube, o Literatus TV. Lá, inclusive, vocês encontrarão uma série chamada “Como escrever um livro”, na qual falo de técnicas narrativas e dou dicas a escritores iniciantes. Muito obrigado.



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