“Agora é oficial”, li, outro dia, “somos todos feitos de poeira de estrela”. Ao que parece, os cientistas descobriram o que grandes escritoras, escritores, poetas e poetizas já haviam revelado: somos feitos de imensidão; mesmo pequenos e, por vezes indistinguíveis, como a marca na parede, de Woolf.
Somos matéria de estrela. E parecemos outros. Com outras marcas. Modificados de acordo com a luz que se projeta em nós. Ou, que projetamos em outros. Somos imensidão. Poeira. Um sopro. Somos uma pequena marca na parede que, se olhada de perto, nada é. E, por isso, pode ser tudo.
Pequenos diante de uma vida que arrasta, “porque, se quisermos comparar a vida com alguma coisa, temos que equipará-la a ser levada pelo metrô a oitenta quilômetros por hora” (p. 13). Minúsculos diante do “gasto perpétuo” e da “perpétua recuperação” de sermos e estarmos nessa vida. E mesmo “tão por acaso, tão a esmo” neste arrastão, ainda somos a própria imensidão. Imensidão de poeira. Poeira de estrelas. Soprada. Viajante. Aprendendo a voar e a ser. Aprendendo a pousar sem medo.
Nessa corrida “a vida impõe suas leis; a vida barra a passagem” (p.74). Ou seríamos nós que o fazemos? Escolhendo quem é barrado. Deixando que, continuamente, apenas os mais fracos sejam atropelados pelo que chamamos de vida? Ah, a vida... Esse arrastão supremo que nos torna insignificantes. O que você deixou de fazer em nome do que dizem que a vida é? Porque dizem: a vida é assim. Acostume-se.
Até quando você irá acostumar-se? Até quando ficará presa nos olhos dos outros?
“Os olhos dos outros nossas prisões; seus pensamentos nossas gaiolas” (p. 71).
Então, eu indago. Eu grito, escute-me: até quando? Até quando aceitaremos o que dizem ser a vida? Uma tirana. Teimam em afirmar. Porém, tiranos não seriam aqueles que nos reservaram um lugar esvaziado de sonhos? Que projetam sobre nós certas luzes? Que deformam quem somos, que nos definem; nos limitam. Descaracterizam-nos como gente.
A marca na parede. Volto insistentemente àquela marca. Ela não é um problema. A vida não é o problema. Porque a marca sou eu. Você é a marca na parede. Os olhos que deformam e o pensamento que enclausura são os problemas.
O nosso vôo, a nossa permanente indagação, a nossa luta pela liberdade perante nossas próprias vidas é a solução.
Somos feitos de matéria de estrela. Todos já sabem. Somos pequenas marcas de imensidão. Podemos ser tudo, não o que dizem que devemos. Somos força e resistência. E ainda assim somos sopros. Poeira. Arrastados pela vida, arrastando-a conosco em nosso constante sonho de voar.
Eu não sei o que Woolf fez comigo. Eu não sei o que fez aquela marca. No entanto, eu que sei que se a vida é o que vejo nos olhos dos outros, se é o que aprendo (p. 61), eu vi e aprendi vida nos olhos dessa mulher feita poeira de estrela. Como nós, feita imensidão.
Livro citado:
WOOLF, Virgínia. A marca na parede e outros contos. São Paulo: Cosac Naify, 2015
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