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Desbravando Nós: Especial dia dos pais – entre a exaltação e a obrigação

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Todo dia é dia dos pais: é um clichê no qual acredito. O meu pai é um típico amigão e palhaço, sempre tivemos uma relação maravilhosa, apesar de nossos inúmeros defeitos. Desde pequena, eu o vejo durante poucas horas do meu dia, mas isso nunca o impediu de estar presente em minha vida, mesmo quando chegou atrasado. O meu pai sempre esteve lá, porém, sinto muito em dizer que isso não o torna um herói. Isso não o torna uma pessoa excepcional.

Nos últimos anos, no dia dos pais, tenho pensado nisto: as obrigações da paternidade. Penso nisso enquanto leio as inúmeras declarações no Facebook, que são lindas, afetuosas e me parecem, por vezes, sinceras. No entanto, há uma coisa que me incomoda: a indicação de que ser um bom pai, presente, carinhoso e amigo é um mérito e não uma obrigação.

Esse discurso reafirma uma das bases estruturais da nossa sociedade: o machismo. Maternidade compulsória, seguida, muitas vezes, de abandono compulsório; dupla, tripla jornada de trabalho, desvalorização do trabalho da mulher... Esse é só o início de uma longa lista sobre o machismo que envolve a maternidade com a áurea de sacrifício e devoção.

A mulher tem obrigação de cuidar de seus filhos. A ajuda masculina é louvada. A mulher deve educar as crianças. Sem pausa. O homem deve trabalhar e descansar em seu tempo livre. Prazer dividido. Responsabilidades empilhadas sobre as mulheres. Quando a lógica é subvertida, os homens ganham aplausos e vivas.

Talvez esta reflexão, no dia em que as pessoas estão apenas preocupadas em homenagear, seja culpa dessa minha perseguição pelo descolonizar do pensamento. Pode ser culpa deste tal feminismo que me faz enxergar as mulheres a minha volta de outra maneira: menos dedos em riste e disputa. Mais empatia, escuta, admiração e afeto. Talvez seja culpa desta percepção menos distorcida das, insistentemente chamadas, mães solteiras, as quais ouvem absurdos ao enfrentar a vida com seus filhos nos braços.

Talvez seja culpa de um olhar mais atento sobre o meu lugar no mundo. Sobre o lugar que destinaram a mim. Talvez seja culpa da minha dificuldade em compreender essa ideia distorcida que transforma obrigações em qualidades; que elege homões, enquanto mulheres se desdobram e são constantemente sentenciadas: a culpa é nossa. 

Meu pai, por muito tempo, disse não saber de onde tirei essas coisas todas, principalmente esse tal de feminismo. Por vezes, ainda me considera moderninha demais. Porém, hoje, sei que, quando ele me olha, reconhece a mulher forte que me tornei; sabe que não lhe cabe podar minhas flores e sonhos. Sabe que ele pode se reconstruir, aprender comigo, ao meu lado.  O que ele talvez não saiba é que, todas as vezes em que me ajudou a regar meus sonhos, ajudou-me, também, a construir a percepção do meu comportamento como mulher, profissional e, quem sabe um dia, mãe. Ajudou a perceber que não devo aceitar nada a menos que o direito de escolher o que quero, sem medo.

Meu pai assumiu a responsabilidade que lhe cabia. Ele quis uma gestação. Não fugiu. Não foi embora. Ele ficou em minha vida e marcou minha trajetória com suas piadas sem graça, seu sorriso meio bobo e com a sua crença em mim, em minhas escolhas.

Meu pai não merece palmas por nada disso. Meu pai merece minha cumplicidade, lealdade, carinho e amor, porque foi isso que sempre me deu. Porque é isso que ele tem me dado ao colocar-se no lugar de ouvinte, de amigo e de parceiro em minhas lutas.

Meu pai não merece aplausos. Ele merece ver de perto meu florescer, por tantas vezes ter-me ajudado a plantar as sementes da minha autonomia e do meu amor próprio: essa é a maior retribuição que posso lhe dar.

Obs.:Revisitei esse texto após dois anos. Na primeira versão, usei essa observação para dizer que meu pai chama-se Doriethison, que ele pergunta se "é pavê ou pacumê" e que ele é um marido e sogro tão afetuoso quanto pai é. Aqui, agradeci por cada momento em que ele transcendeu o espaço de pai e foi tudo o mais que precisei.  Hoje, uso essa pequena observação para dizer que sua tentativa, mesmo quando falha, de entender quem sou e quem me tornei é a maior expressão de paternidade que eu poderia reconhecer. 



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