Título: O ouro de Quipapá
Autor: Hubert Tézenas
ISBN: 9788582860939
Editora: Vestígio
Ano: 2014
Páginas: 176
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Sinopse:
Recife, 1987. No escaldante e abafado outono nordestino, Alberico Cruz, um homem comum, corretor de imóveis, é testemunha de um crime. De principal suspeito, torna-se o culpado ideal. Acusado de assassinato, nosso anti-herói se vê brutalmente lançado no inferno da prisão. Sua luta pela sobrevivência o introduz em um mundo de violência do qual nada conhece: o mundo dos senhores da cana-de-açúcar, às portas do sertão pernambucano.
Uma crítica social implacável, na qual a verdade tem pouco espaço, e a honestidade, valor meramente opcional, não resiste ao poder dos grandes. Um romance que joga uma luz crua sobre um país cheio de contradições, onde a violência social predomina e forças antagônicas se enfrentam brutalmente.
Resenha:
A corrupção é um tema que permeia em nosso dia a dia. Está presente em nosso trabalho, onde estudamos, até mesmo dentro de nossos lares, não necessariamente com as pessoas de nosso convívio familiar. Nem sempre é assim, mas muitas coisas são adquiridas e adentram em nossas residências por meio da corrupção, até mesmo as notícias presentes em nossa rede de comunicação é um grande fluxo de acesso e sequer damos conta disso. É inevitável, está inerente ao país e à sociedade.
A obra de Hubert Tézenas retrata exatamente sobre isso. Tézenas não é apenas um autor do gênero policial, ele é um francês que ambientou a sua história aqui no Brasil. O autor passou alguns anos em nosso país e criou um romance policial que se passa no estado de Pernambuco.
Alberico Cruz é corretor de imóveis e testemunha de um assassinato. Um sujeito por nome de Silva vai até ele com objetivo de adquirir um quarto na Rua da Aurora. Acontece que o cliente não está com os documentos e Cruz não quer entregar a chave do quarto sem que ele apresente uma identidade. O jovem alega que deixou seus papéis em outro hotel e tenta subornar o inocente Alberico. Por muito insistir, o corretor decide preencher os papéis e vai até o local entregar-lhe. Porém, antes que o contrato fosse consumado, Cruz presencia algo que marcará para sempre sua vida: ele vê o sindicalista Silva sendo assassinado brutalmente por dois sujeitos.
“A cabeça de Silva está derrubada pra trás e balança. Suas pernas esticadas parecem em levitação a cinquenta centímetros do chão e seus joelhos já estão no banheiro. Outra pessoa o segura pelos calcanhares mas a saliência da divisória impede Cruz de vê-la” (p.21).
Atônito, sua reação é apenas fugir do local. Eis que sua história muda drasticamente. O que era para ser apenas telespectador de uma cena acaba invertendo a situação e torna-se o personagem principal. Injustiçado, cheio de mazelas pela sociedade e jogado na sarjeta, Cruz terá de provar sua inocência. Todos o julgam como verdadeiro culpado dessa verdadeira atrocidade.
A obra é um verdadeiro tapa na cara do tratamento que o país oferta aos seres humanos. Quer seja inocente ou culpado, o sujeito é tratado de forma infame e os direitos humanos não são tão respeitados como prega em nossa Constituição Federal. Não há igualdade, direito à liberdade e um tratamento digno.
Tézenas relata de forma precisa e muito bem descrita como funcionam as prisões. As celas, cada vez mais, estão hiper lotadas. Não há lugar para eles dormirem, é preciso fazer revezamento entre eles. Enquanto uns dormem em pé, outros deitam no chão sujo de urina. Vaso sanitário não existe, é apenas um buraco em que são depositadas as necessidades fisiológicas e sequer funciona a descarga. Abuso sexual é o que predomina na relação entre eles. Além da subordinação de um rei dentro da cela.
“Ratinho estabeleceu um sistema de turnos para que todos possam dormir à noite. Metade dos homens se deita no piso mijado enquanto a outra metade fica de pé. A troca é feita a cada duas horas. A cada revezamento baratas assustadas se dispersam entre os corpos” (p.39).
Tudo isso e muito mais são assuntos relatados no livro, o leitor fica perplexo e chocado com cada detalhe aprofundado. Não há que se falar em leis para os pobres, em direitos humanos e direitos fundamentais. A única coisa que existe é a lei do mais forte sobre o mais fraco.
A narrativa do autor é bem madura e em todos os cenários podemos sentir a realidade e dor em cada momento. A luta de Cruz por sua sobrevivência é algo que emociona o leitor e indigna-me como brasileira. Tézenas realiza uma crítica social implacável. É impossível ler a obra e não absorver algum ensinamento.
Assim como o trabalho tem os seus lados positivos, notei o seu antagonismo também. Embora o livro seja bem pequeno, com apenas 176 páginas, engana-se quem pensa que a leitura é veloz. Não existe pontuação nas falas. Travessão, aspas, não há nada que indique um diálogo. Isso dificultou a velocidade da leitura e muitas vezes era necessário parar e analisar o conjunto para saber se era uma conversa ou um mero pensamento do narrador.
“Não pense que seu silêncio vale tanto. Existem meios muito menos onerosos de fazer as pessoas se calarem. Que poderíamos ser forçados a empregar caso o senhor se obstine” (p.163).
A narrativa é dividida em duas partes, ambos em primeira pessoa. Dessa forma, é possível ter uma maior afinidade com cada um. Porém, com a ausência de travessões, dificultou bastante a leitura e a interpretação. A história é um arraso, o crime é magnífico, as outras mortes que acontecem no decorrer do livro também não ficam atrás. Contudo, esse modelo de diagramação não deve agradar o leitor em geral. Entretanto, mesmo com esse lado em desfalque, ainda indico a leitura aos amantes de romance policial. A vontade do leitor é de não desgrudar os olhos do livro até que a última página seja virada e a nossa agonia se finde.