Título:Nos Idos de Março
Organizador:Luiz Ruffato
ISBN:9788581302461
Editora:Geração Editorial
Ano:2014
Páginas:288
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Sinopse:
Sobreviver à ditadura brasileira, instaurada com o golpe de 31 de março de 1964 e consumada no fechamento geral pelo AI-5 em 1968, não foi simples. Para os escritores, tratava-se de fazer denúncias do regime de exceção sem muitas vezes poderem ser claros para que a censura não barrasse seus livros. Assim, contos e romances tinham que passar por um autêntico “corredor polonês” e saírem cifrados, alegóricos, metafóricos, para poderem chegar ao outro lado e serem lidos. Ou tinham um realismo melancólico em que o exílio na própria pátria, a tortura e as desilusões se perpetuavam, num ciclo depressivo.
Resenha:
Nos Idos de Marçofoi um livro que me surpreendeu completamente. Fui pego desarmado e acabei rendido diante da obra. A ideia de criar uma antologia de contos que se passasse em um período tão conturbado da história brasileira foi simplesmente genial. O resultado não ficou atrás, é claro. Isso fez com o livro seja acima da média.
O primeiro detalhe que se deve ter em mente ao começar a desbravar a obra é: esse não é um livro técnico. Se você procura obras mais técnicas ou de reportagem sobre o período, indico Golpe de Estado (resenha), Os Vencedores (resenha) e Cova 312 (resenha). É necessário saber que esse é um livro de contos que, apesar de ter muito da realidade, também possui traços ficcionais.
A obra é composta por dezoito contos, de dezoito autores diferentes, mais um prefácio do organizador da antologia: Luiz Ruffato. Por questão de espaço e de manter a surpresa para o leitor, não falarei de todos os textos. Elegi dois para representar a obra de uma maneira geral: O Homem Cordial, de Antonio Callado, e Manobras de Soldado, de Flávio Moreira da Costa.
“O legado desse período de desmandos, repressão e censura foi a desorganização dos sistemas de educação e saúde, a expansão dos círculos de corrupção, o aprofundamento do fosso entre as camadas mais ricas e mais pobres da sociedade, a propagação da violência urbana e, principalmente, a perda de confiança nas instituições” (pp. 7-8).
O primeiro conto a ser explanado e que também é o primeiro da obra, O Homem Cordial é, na minha concepção, o melhor texto de todo o conjunto. Seu protagonista é Jacinto, um professor de história e sociólogo, que é fascinado pela concepção do homem cordial, difundida por Sérgio Buarque de Holanda. Contudo, algumas coisas começam a mostrar-lhe que o brasileiro pode não ser tão cordial assim. Tudo isso se inicia quando o DOPS invade a sua casa, e Jacinto ainda tem os direitos políticos caçados. Não poderia piorar, ele achava. Mas...
Partindo dessa premissa, Antonio Callado faz um retrado fiel do período militar. Com uma narrativa inteligente, bem politizada e com bons personagens, consegue demonstrar uma visão lúcida do período. Além disso, mostra o olhar de alguém que está fora: o protagonista não é nem revolucionário, nem militar e muito menos militante. É um homem de ideias perigosas, mas poucos atos. Sem falar que o final é, no mínimo, inesperado.
O segundo conto que quero destacar possui uma estrutura inversa a do primeiro. Em Manobras de Soldado, temos uma narrativa muito menos técnica, mas igualmente boa. Moreira da Costa reproduz o falar de um soldado durante uma tentativa de golpe. Vemos os acontecimentos pelo olhar do jovem soldado e tentamos entender tudo que está acontecendo. Uma abordagem diferenciada e muito válida, aliás.
“A ciência da vida era vivê-la com brandura, pisando leve” (p. 20).
O autor do conto aposta em uma narrativa curta, ágil e que te deixa próximo do protagonista. Em muitos momentos, é possível ter a ideia de que conhecemos o narrador e ele apenas está a relatar o fato ocorrido para um amigo. Isso, sem dúvidas, dá uma beleza para o conto. Uma beleza bruta, mas que encanta. Sem falar que é interessante ver o outro lado da moeda e perceber que até mesmo dentro das forças militares não havia uma hegemonia de pensamento.
Os dois contos apresentados anteriormente, além de ser uma foto bem real do período militar, é também um retrato do livro. Como a obra possui diversos autores, conhecemos diversos estilos. Há contos mais ágeis, outros mais lentos; há os mais trabalhados, outros mais parecidos com uma conversa. Contudo, todos acrescentam algo ao leitor, seja no conhecimento do período militar quanto na área da literatura.
Além disso, essa multiplicidade da obra dá uma riqueza a ela. É possível enxergar diversas visões e contrastes sobre o mesmo período e entender que classes diferentes possuíam concepções diferentes. Além disso, “vivenciar o período” através da pele de um personagem é muito mais marcante do que simplesmente ler um artigo sobre a época.
“Aí então apareceu um major para falar conosco – nós não tínhamos nenhum oficial, só um sargento e uns vinte soldados – para explicar a revolução; e o major foi dizendo que aquilo tudo era para defender a unidade das Forças Armadas, a disciplina das Forças Armadas, e salvar o país do perigo comunista e tal – era por isso que eles tinham feito aquela revolução e queriam que a gente aderisse (...)” (p. 146).
Além do bom trabalho escrito, é preciso elogiar o trabalho da Geração Editorial. A capa está bonita e passa muito bem o espírito da obra. A diagramação é simples, mas muito confortável, o que deixa a leitura ainda mais leve. Como as folhas são creme, a vista também não cansa. Além disso, a revisão está muito boa.
Diante dos aspectos mencionados, apenas me resta indicar o livro. Se você quiser conhecer o período militar sobre diversos olhares, esse trabalho é perfeito para você. Desbrave-o, você irá gostar.